segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O que disse Freud sobre o consumismo?


Os princípios de prazer e de realidade
A sociedade do consumo se caracteriza por ser uma sociedade do prazer e da satisfação. Se estivermos tristes, em depressão ou tediados basta ir às compras e comprar as marcas e os produtos que desejamos  para recuperarmos  o equilíbrio emocional. Para o homem contemporâneo, não há nada mais prazeroso do que fazer compras e não há nada mais feliz do que consumir. Consumir um produto significa sentir-se bem, alegre e feliz. Este argumento não é especulativo, mas científico.
A antiga tese de Freud, de que os indivíduos não poderiam viver sobre o princípio de prazer, tornou-se uma falácia. Ao refletir sobre o propósito da vida,  Freud chegou à conclusão de que o objetivo da civilização não é o prazer, mas a renúncia a ele.  A vida do indivíduo é a busca constante pela realização da satisfação do prazer, mas esta  satisfação é impossível de realizar num mundo carente e escasso de recursos.  O mundo é hostil, as necessidades humanas, para tudo que é bom e prazeroso exigem-se trabalhos penosos e sofrimentos. O individuo deve trabalhar para poder sobreviver. Ele deve abandonar o princípio de prazer e se submeter ao princípio de realidade. O processo civilizatório é marcado pela renúncia e pelo sentimento de insatisfação que os homens experimentam vivendo em sociedade.  Apesar desse diagnóstico,   Freud não esperava que a humanidade chegasse a um estágio de abundância e satisfação.  Ele não esperava que o desenvolvimento técnico e científico  possibilitasse aos seres humanos uma grande quantidade de bens materiais e intelectuais, capaz de satisfazer prazeres inimagináveis.
O principio de prazer e o princípio de realidade são os dois princípios que regem o funcionamento mental.  Na evolução da humanidade o ser humano teve que substituir o princípio de prazer pelo princípio de realidade, uma vez que o mundo externo é hostil à satisfação das necessidades humanas. Os processos mentais descritos por Freud  são regulados num primeiro momento pelo princípio de prazer. A busca do prazer é uma luta pelo escoamento livre das quantidades de excitação causado pelo impacto da realidade externa sob o organismo. O alívio de estímulos seria a completa gratificação da excitação. Contudo, através do conflito do homem com o mundo externo surge outro princípio que deve proteger e reger o funcionamento mental: o princípio de realidade. Esse princípio aparece secundariamente como uma modificação do princípio de prazer, tornando-se a pedra angular dos processos mentais, em particular, dos processos conscientes (Ego). Foi através do princípio de realidade, no seu confronto com o princípio de prazer, que o organismo teve que construir defesas que o protegessem dos desprazeres causados pelo mundo externo.
 

Para Freud a substituição do princípio de prazer pelo princípio de realidade foi necessária na história da civilização. Seu argumento afirma que o homem para viver em sociedade não pode viver sob o regime do princípio do prazer.  “Este programa nem se quer é realizável, pois toda a ordem do universo se opõe a ele e, além disso, estaríamos por afirmar que no plano da criação não inclui o propósito do homem ser feliz”  (FREUD, 1974, p.3025). No atual estágio da civilização, a teoria da cultura freudiana tornou-se problemática. Bauman (2008) mostra-nos em seu livro “Consuming Life” que o princípio de prazer tomou o lugar do princípio de realidade. A nossa época provou, ao contrário do que pensava Freud, que a sociedade pode ser regida pelo princípio de prazer. O diagnóstico de Freud  falhou, pois ele universalizou a cultura de sua época para toda a história da civilização. Ele vivia  na época vitoriana, num período de valores éticos como respeito, civilidade, polidez, considerados as mais elevadas virtudes sociais. Mas também era  uma época de preconceitos, repressão moral e hipocrisia. Apesar de viver num período de  desenvolvimento técnico e científico, de industrialização e de grandes empreendimentos, Freud nunca imaginou que pudesse existir uma sociedade do consumo, cujo princípio é  o prazer e a satisfação.
A primeira característica do princípio de prazer é que ele busca  uma  satisfação constante.  Entre um prazer e outro nada melhor que um novo prazer. Este é o princípio compulsivo do aparelho mental.
O princípio de prazer é o fundamento psicológico da sociedade do consumo. Este princípio não é afetado pelo tempo, ignora valores bem e mal, moralidade, esforça-se simplesmente pela satisfação de suas necessidades instintivas.  Ele é compulsivo em sua própria essência. Daí a explicação para as compulsões e a descarga emocional que os produtos da sociedade do consumo propiciam.  O consumo propicia um grande prazer aliviando as tensões do dia-a-dia enfrentado por milhões de seres humanos.

Freud, o consumista colecionador.

Recentemente, veio à luz uma faceta pouco conhecida da personalidade de Sigmund Freud: a de colecionador de esculturas antigas. Ao longo da vida, Freud amealhou uma coleção de 2,5 mil obras de arte gregas, romanas e egípcias, compradas em lojas de antiguidades e, quem diria, até no mercado negro. Escreve Janine Burke, autora de "Deuses de Freud - a coleção de arte do pai da psicanálise" (editora Record):

           "           A famosa imagem de Freud como um homem austero, distante e hostil é contestada por essa coleção, que revela uma personalidade bem diferente: um esbanjador impulsivo e hedonista."

 Bem, esbanjamento e impulsividade são características próprias de todos os consumistas, sejam eles fissurados em obras de arte, apetrechos tecnológicos ou moda. O cerne do comportamento é o mesmo; a energia que move o adorador de antiguidades e algumas "atletas de shopping" é a mesma, tanto quanto o prazer envolvido na aquisição. O que muda é o objeto no qual cada um coloca seu "fetiche" - para usar uma expressão cara à psicanálise (e ao marxismo, claro).
Ok, pode-se dizer que a coleção de Freud contribuía para seu engrandecimento intelectual, diferentemente das aquisições "vulgares". Mas esse é apenas um subproduto do consumismo. Freud comprava por simples prazer, tanto quanto muitos de nós quando em frente a uma vitrine. Não pensava em tornar-se mais inteligente ou inspirar-se em esculturas para desenvolver teorias.
Tanto que o próprio Freud confessou a seu colega Carl Gustav Jung: "eu preciso ter sempre um objeto para amar"


Bibliografia
ADORNO, Theodor. Educação e emancipação.  São Paulo: Paz e Terra, 1995.
BAUDRILLARD, Jean.  La société de consommation: ses mythes, ses structures. Paris: Edition Danoël, 1970.
BAUMAN, Zigmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed, 2008.
FREUD, S. El Malestar en la cultura. Madri, Ed. Standard, Obras completas, Tomo VIII, Madri,  1974.
MARCUSE, H. A ideologia da sociedade indústrial. Rio de janeiro:Zahar.
http://camilaporto.com.br/2010/12/09/psicologia-do-consumo-como-o-inconsciente-pode-afetar-seu-comportamento/
http://aclassealta.com/psicologia-do-consumo/

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